Terminado o café da manhã, arrumei tudo e antes de partir de Rio das Flores ainda passei no mercado da D. Rosa pra que ela visse que “estava levando o frigobar amarrado na baique”. Rimos muito.
Depois da grande subida na saída da cidade, o trajeto pela RJ-135 foi basicamente de descidas com a altitude decrescendo até menos de 300m já que estava descendo uma das vertentes do grande vale do Rio Paraíba do Sul em direção à Andrade Pinto e depois Cavaru (RJ).
A RJ-135 apesar de ser asfaltada é uma estrada com muito pouco movimento, junto à natureza, que corta antigas fazendas de café com arquitetura belíssima e ainda preservada. Vale a pena optar por pedalar por ela ao invés de pegar uma grande rodovia, como a BR-492, por exemplo.
Estive refletindo sobre a questão de pedalar junto à Natureza onde, alem do esforço físico, somos constantemente confrontados com os limites, desafios, dificuldades, externos e internos. Temos que encará-los ultrapassa-los, transcende-los por conta própria, usando meios e habilidades disponíveis, buscando coragem, paciência e força no interior de nós mesmos.
Por que fazemos esta opção de “sair da zona do conforto” ? Acho que queremos, inconscientemente, aprender, desenvolver habilidades, sabedoria e novos conhecimentos. Assim, de certa maneira, estamos nos preparando intuitivamente pra poder fazer uma revolução interna e externa, criar soluções autossuficientes, mudar a sociedade dentro da dimensão de atuação de cada um. Acho que abemos todos, muitas vezes inconscientemente, que este é nosso papel como ser humano.
E todo este desenvolvimento me parece muito importante já que vivemos atualmente numa sociedade que é levada à acomodação, à procrastinação. Com toda a informação e propaganda gerada por meios das redes sociais somos induzidos a uma atitude puramente contemplativa, de aceitação das injustiças, o que não deveria acontecer. Portanto esse aspecto de auto-conhecimento e desenvolvimento interior de discernimento, consciência, habilidades e tomada de decisões da cicloviagem é muito importante no meu ponto de vista.
Passando por antigas fazendas de café e pequenas estações de trem , cheguei em Cavaru. A referência é o Bar do Chiquinho que tem um pouco de tudo incluindo antigas moringas de barro as mesmas que minha bisavó Georgina que nasceu e viveu ali perto, em Sardoal, usava pra manter a água sempre fresquinha. Foi lá que tomei aquele sorvete de milho verde que só se encontra nas cidades do interior.
Conversando com Chiquinho perguntei sobre a melhor rota para chegar em Itaipava. Mais uma vez aconteceu: as pessoas tem a tendencia de indicar aquelas rotas que estão mais acostumadas a fazer, por habito e na maioria das vezes de carro, e que nem sempre é o caminho mas direto, mais plano e o melhor pro ciclista que, como eu, não se importa em ir pela estrada de terra.
Então Chiquinho me indicou um caminho que passava por Werneck, a 5km dali, já bem perto de Paraíba do Sul, e por Bom Jesus do Matosinhos onde, segundo ele tem a maior festividade católica do Estado do Rio de janeiro. Talvez por isso ele tenha indicado este caminho. E eu fui.
Quando já estava em Werneck, conferi no app GPX Viewer e verifiquei que por ali ia dar uma volta enorme e pedalar muitas dezenas de quilômetros a mais até chegar na BR-040, em Itaipava, distrito de Petrópolis, RJ.
O percurso Rio das Flores – Jatahy (RJ): http://bit.ly/2DgxOR9
Voltei todos os 5km que já havia pedalado de Cavaru à Werneck, e peguei a outra rota, indicada pelo GPS, e que passava bem em frente ao Bar do Chiquinho, de onde havia saído.
Mais uma vez me dei conta que é bom conversar com os locais mas nem sempre suas indicações de rota, são as melhores quando estamos de bicicleta. O GPS tem uma visão melhor e mais geral sobre as melhores rotas, mais planas, mais diretas.
À esta altura já eram mais de 16h. Pedalei subida acima pela nova estrada de barro por duas horas mais ou menos, até que cheguei em Jatahy. Parei um pouco e percebi uma pequena paróquia azul. O céu estava negro com previsão de chuva pesada.
Comecei a conversar um pouco com um morador local e foram aparecendo outros . A maioria crianças e adolescentes curiosos pelo ser que apareceu de bicicleta do nada e parou ali. Fiquei conversando e enrolando enquanto arrumava o bagageiro que, mais uma vez, estava balançando. Quando a curiosidade diminuiu e os moradores se afastaram, aproveitei e subi discretamente a bici pelas escadas da igrejinha e encontrei um patio interno coberto, limpo e com água. Ideal pra passar aquela noite protegido da chuvarada que já estava começando.
Como não me viram subir da estrada até ali, não havia o risco de questionarem a minha ocupação do espaço. Tudo correu bem. Cozinhei e estendi meu saco de dormir só observado por um casal de sabiás que fez seu ninho no alto de umas colunas da paróquia.