New and Root Destinations. Unexpected way of travelling. Travelling and learning from inside. Getting close to your limits, facing them and going further" . Destinos diferentes e de Raiz. Maneira não usual de viajar. Viajar : aprendizado que vem de dentro. Chegando perto dos seus limites, encara-los e ultrapassa-los"
Brasil 2018 – Cicloviagem / Bike Touring – Sul de Minas
Cycling / Bike Touring – Day 1: Petrópolis, RJ – Simão Pereira, MG – Brazil (ENGLISH VERSION, FOR PORTUGUESE VERSION SCROLL DOWN)
It is very difficult to consider yourself prepared to go on a cycle trip. In this type of trip, you (your legs) are also responsible for the entire journey. On a physical and psychological level, but also depending on the equipment and accessories that you find necessary. Perhaps, because of this, many people end up never doing it. They keep postponing and waiting for the ideal situation that, obviously, never arrives.
Setup ready to leave
I decided that, despite having been thinking about the trip for six months and not considering myself ready (especially in terms of the necessary equipment and accessories), I would leave anyway. And it was the best decision. Since this, I think, is the first tip of what I learned on this trip: leave. You will see that, no matter how prepared you are, unforeseen events will happen anyway and you will be challenged to resolve them.
The itinerary – Petrópolis, RJ – Sul de Minas – Petrópolis, RJ (southeastern part of Brazil)- was chosen based on the time I had on vacation: 15 days only. And also because I really like the region, which I visited a lot when I was in university to do fieldwork on Geology. Beautiful landscapes, great waterfalls, good food, hospitable people, all of this remained in my memories.
The idea was to go out and cycle back.
After packing everything on the bike, I left on 12/26/2017, at 9:30 am, from Petrópolis. According to the itinerary outlined, the objective on this first day was to arrive in Simão Pereira (MG). Around 90 km of cycling, all on asphalt and a lot of descent. It was just the first day.
The route for this first day of travel on Google Maps is here: http://bit.ly/2Fdq4ls
Petropolis (RJ) / South MInas / Petrópolis (RJ) – complet map
The goal of my bike trips is to be in nature as much as possible. And this became even clearer throughout this first day of the trip since the asphalt, despite being a hard and smooth surface, making movement easier, offers, in my opinion, many disadvantages: stress from cars passing by, noise, danger, etc. . However, asphalt and major highways are often unavoidable for accessing nature. As in this first stage of the journey.
Leaving Petropolis, passing through Itaipava, Pedro do Rio, along União Industria – a secondary road-, was peaceful. Sunny day. One of the few that would have. After a whole day driving on hot asphalt with many descents and straights and few climbs, finally, after 90 km, I arrived in Simão Pereira, already in a different state (Minas Gerais). On the viaduct leading to the city, around five in the afternoon, there was a huge storm with lightning and thunder. Luckily I was under the huge viaduct and I was able to take shelter without getting wet.
As after two hours the rain didn’t stop, I decided to get ready to sleep under an overpass for the first time. I think it was the worst night I slept on the entire trip, as the noise of the trucks passing overhead (when I first arrived, perhaps due to the heavy noise of the rain, I didn’t realize it) and the fear of being spotted by passersby right next to the tent at the entrance to the city, they made the night a light sleep and full of nightmares. All of these for the first day only, this adventure was promising.
É bem difícil se considerar preparado para partir numa cicloviagem. Neste tipo de viagem você (suas pernas) é o responsável também por todo o deslocamento. Em nível físico e psicológico mas também em função dos equipamentos e acessórios que você é levado à achar necessários. Talvez, em função disso, muita gente acaba nunca realizando. Ficam adiando e esperando a situação ideal que, obviamente, nunca chega.
Bicicleta pronta pra partir
Eu decidi que, apesar de já estar pensando na viagem por seis meses e não me considerar pronto (principalmente em nível dos equipamentos e acessórios necessários), iria partir assim mesmo. E foi a melhor decisão. Já que esta, eu acho, é o primeira dica do que aprendi nessa viagem: parta. Você vai ver que, por mais preparado que você esteja, os imprevistos vão acontecer de qualquer maneira e você vai ser desafiado a resolve-los.
O roteiro – Petrópolis, RJ – Sul de Minas – Petrópolis, RJ -, foi escolhido em função do tempo que eu tinha de férias: 15 dias. E também porque gosto muito da região que eu visitei bastante na época da faculdade pra fazer trabalhos de campo. Lindas paisagens, ótimas cachoeiras, comida boa, povo hospitaleiro, tudo isto ficou nas minhas lembranças.
Petrópolis (RJ) – Sul de Minas – Petrópolis (RJ) – Mapa completo
A ideia era sair e voltar pedalando.
Depois de arrumar tudo na bike, parti dia 26/12/2017, às 9h30, de Petrópolis. Pelo roteiro traçado o objetivo neste primeiro dia era chegar em Simão Pereira (MG). Em torno de 90 km de pedal., tudo no asfalto e muita descida. Era só o primeiro dia.
O objetivo das minhas viagens de bicicleta é estar o máximo possível na natureza. E isto ficou ainda mais claro ao longo deste primeiro dia de viagem já que o asfalto, apesar de ser um piso duro e liso, facilitando o deslocamento, oferece, no meu entender, muitas desvantagens: estresse dos carros passando, barulho, perigo, etc. Mas, muitas vezes o asfalto e as grande rodovias são inevitáveis pra acessar a natureza. Como nesta primeira etapa da viagem.
Petrópolis, RJ – Simão Pereira, MG
A saída de Petropolis, passagem por Itaipava, Pedro do Rio, pela Estrada União Industria foi tranquilo. Dia de sol. Um dos poucos que teria. Depois do dia inteiro rodando no asfalto quente com muitas descidas e retas e poucas subidas, finalmente, depois de 90 km, cheguei em Simão Pereira, já em Minas Gerais. No viaduto de acesso à cidade, por volta das cinco da tarde, caiu num grande temporal com raios e trovões. Por sorte estava debaixo do enorme viaduto e pude me abrigar sem me molhar.
Como depois de duas horas a chuva não passava, decidi ir me preparando pra dormir debaixo de um viaduto pela primeira vez. Acho que foi a noite mais mal dormida de toda a viagem já que o barulho das carretas passando em cima (no primeiro momento que cheguei, talvez pelo forte barulho da chuva, não me dei conta disso) e o receio de ser avistado por quem passava bem ao lado da barraca no acesso de entrada da cidade, fizeram a noite ser de sono leve e cheia de sobressaltos. Pelo primeiro dia, esta aventura prometia.
ENGLISH VERSION
It is very difficult to consider yourself prepared to go on a cycle trip. In this type of trip, you (your legs) are also responsible for the entire journey. On a physical and psychological level, but also depending on the equipment and accessories that you find necessary. Perhaps, because of this, many people end up never doing it. They keep postponing and waiting for the ideal situation that, obviously, never arrives.
Set up ready to go
I decided that, despite having been thinking about the trip for six months and not considering myself ready (especially in terms of the necessary equipment and accessories), I would leave anyway. And it was the best decision. Since this, I think, is the first tip of what I learned on this trip: leave. You will see that, no matter how prepared you are, unforeseen events will happen anyway and you will be challenged to resolve them.
The itinerary – Petrópolis, RJ – Sul de Minas – Petrópolis, RJ (southeastern part of Brazil)- was chosen based on the time I had on vacation: 15 days only. And also because I really like the region, which I visited a lot when I was in university to do fieldwork on Geology. Beautiful landscapes, great waterfalls, good food, hospitable people, all of this remained in my memories.
The idea was to go out and cycle back.
After packing everything on the bike, I left on 12/26/2017, at 9:30 am, from Petrópolis. According to the itinerary outlined, the objective on this first day was to arrive in Simão Pereira (MG). Around 90 km of cycling, all on asphalt and a lot of descent. It was just the first day.
The route for this first day of travel on Google Maps is here: http://bit.ly/2Fdq4ls
Assim que o dia clareou levantei e desarmei a barraca. A chuva havia finalmente passado apesar do céu ainda estar encoberto e bastante carregado. Tomei o café e parti rápido já que não tinha nada pra fazer ali naquele lugar cheio de concreto e barulho. Apesar da noite mal dormida estava bem disposto. Talvez pela ansiedade pra chegar logo em plena natureza.
Partindo do que foi minha “casa” por uma noite.
Continuei pela movimentada BR-040 e quando passava por Três Rios já fazia sol e muito calor. Parei num posto de serviços depois de uma longa subida. Tinha aqueles suco de uva natural do Sul do Brasil vendido em maquinas. Não entendo ainda muito bem o fenômeno fisiológico mas meu corpo estava cansado e pedia desesperadamente por açúcar (energia) devido ao esforço e, apesar do preço salgado, aquele suco desceu muito bem. Logo depois de beber e comer, me deu sono. Acredito que tenha dormido um pouco sentado numa mesa do restaurante com ar-condicionado. Estava sendo realmente o primeiro dia de maior esforço físico, com sol e subidas.
E o ônibus não passou..
Quando passei por Juiz de Fora, outro desafio pra um marinheiro de primeira viagem: um grande temporal desabou. E desta vez não teve abrigo. Ou melhor, teve sim. Parei com a bicicleta debaixo de um pequeno ponto de ônibus bem na entrada da BR-267 (logo depois de Juiz de Fora, MG), onde já estavam algumas pessoas que tentavam se proteger e chegar em casa depois do trabalho. Mas não teve jeito e não adiantou muito tal o volume da chuva e a força do vento. Esperei diminuir um pouco e fui. Naquele momento entendi que a chuva ia fazer parte da minha rotina na viagem. Era melhor me acostumar com ela e seguir pedalando já que poderia chover por horas seguidas, então não dava pra ficar esperando “passar”… Se no primeiro dia cumpri a quilometragem que havia programado (90km), muito graças ao fato de ter rodado no asfalto e também num trecho com muitas descidas e áreas planas já no segundo dia, devido aos contratempos, rodei bem menos: 62km.
Simão Pereira- Valadares (MG), com Juiz de Fora na parte superior
Quando estava chegando a Valadares, MG (não é Governador Valadares), resolvi buscar lugar pra passar a noite já que pra chegar em Lima Duarte faltavam ainda 30 km. Parei na cidadezinha de Valadares que só tinha uma pousada. Estava lotada e com donos nada simpáticos. Ainda assim consegui arrancar a informação que deveria ir até um posto, 2 km além. Apesar que no posto de serviços não tinha hotel, foi bom parar ali porque tinha banheiro e ducha gratuitos e comida farta e barata (R$ 12/prato feito). Alem disso, varias amplas áreas gramadas com arvores, o que me animou à acampar. O problema é que ainda eram 18 h, estava claro com mais de duas horas de dia pela frente. Fui fazendo tudo que precisava bem devagar, deixando o tempo passar.
Tinha um segurança armado no posto. Percebi porque ele estava todo de preto e, às vezes, me olhava , já desconfiando que eu, com aquela tralha toda, tava querendo dormir ali. Pensei: “uma hora ele vai ter que ir embora, ai eu armo a barraca”. Não poderia imaginar o que estava por acontecer. Lá pelas nove horas da noite, fui pra um local mais isolado, atrás do posto, onde havia um gramado e árvores., Quando olhei pro lado vi uma lanterna piscando e se aproximando. Era o segurança. Tinha me seguido. Eu tinha sido descoberto.
Acampamento no parquinho das crianças
Ele se aproximou e disse:
– Você pretende dormir aqui ?
– É, estava pensando nesta possibilidade
– Eu não aconselho: Temos aqui três cães rottweillers e daqui a pouco o posto fecha e eu solto eles. Eles vão te “pertubar” durante a noite. Olha, temos aquele parquinho de crianças , porque você não sobe lá no deck e dorme lá em cima porque lá não tem como eles subirem
– Nossa, posso mesmo? Obrigado pela dica.
E assim, o que parecia ser um problema (o segurança) , se tornou a solução. Alias, fiquei muito grato dele ter vindo me avisar sobre os cães. Se não tivesse feito isso, não sei o que poderia ter acontecido . Acho que aquela noite poderia sido mais longa do que de costume.
Cycling / Bike Touring – Day 2: Simão Pereira – Valadares, MG – Brazil
As soon as the day broke, I got up and took down the tent. The rain had finally stopped although the sky was still overcast and quite heavy. I had breakfast and left quickly since there was nothing to do there in that place full of concrete and noise. Despite the poor night’s sleep, he was in good spirits. Maybe because of the anxiety to get to nature soon.
I continued along the busy BR-040 and when I passed Três Rios it was already sunny and very hot. I stopped at a service station after a long climb. There was that natural grape juice from southern Brazil sold in machines. I still don’t understand the physiological phenomenon very well, but my body was tired and was desperately asking for sugar (energy) due to the effort and, despite the high price, that juice went down very well. Soon after drinking and eating, I felt sleepy. I believe he slept a little sitting at a table in the air-conditioned restaurant. It was truly the first day of greater physical effort, with sun and climbs.
When I passed through Juiz de Fora, another challenge for a first-time sailor: a big storm hit. And this time there was no shelter. Or rather, yes it did. I stopped with the bike under a small bus stop right at the entrance to BR-267 (just after Juiz de Fora, MG), where there were already some people trying to protect themselves and get home after work. But there was no way and it didn’t do much good given the volume of rain and the strength of the wind. I waited for it to slow down a little and went. At that moment I understood that rain was going to be part of my routine on the trip. It was better to get used to it and keep cycling since it could rain for hours at a time, so I couldn’t wait for it to “pass”… If on the first day I completed the mileage I had programmed (90km), largely thanks to the fact that I had ridden on the asphalt and also on a section with many descents and flat areas on the second day, due to the setbacks, I drove much less: 62km.
When I was arriving in Valadares, MG (not Governador Valadares), I decided to look for a place to spend the night since it was still 30 km to get to Lima Duarte. I stopped in the small town of Valadares, which only had one inn. It was crowded and the owners were not friendly. I still managed to get the information that I should go to a gas station, 2 km away. Although there was no hotel at the gas station, it was good to stop there because there was a free bathroom and shower and plentiful and cheap food (R$ 12/dish made) . In addition, there are several large grassy areas with trees, which made me excited to camp. The problem is that it was still 6 pm, it was light with more than two hours of daylight ahead. I did everything I needed very slowly, letting time pass.
There was an armed security guard at the post. I noticed why he was wearing all black and, sometimes, he looked at me, already suspecting that I, with all that clutter, was wanting to sleep there. I thought: “At some point he’s going to have to leave, then I’ll put up the tent.” I couldn’t imagine what was about to happen. Around nine o’clock at night, I went to a more isolated place, behind the gas station, where there was a lawn and trees. When I looked to the side I saw a flashlight blinking and getting closer. It was the security guard. It had followed me. I had been discovered.
He approached and said:
Do you intend to sleep here? Yes, I was thinking about this possibility I don’t recommend it: We have three rottweiller dogs here and soon the station will close and I’ll release them. They will “disturb” you during the night. Look, we have that children’s playground, why don’t you go up on the deck and sleep up there because there’s no way for them to get up there?Wow, can I really? Thanks for the tip. And so, what seemed to be a problem (security), became the solution. In fact, I was very grateful that he came to warn me about the dogs. If I hadn’t done that, I don’t know what could have happened. I think that night could have been longer than usual.
O terceiro dia começou com eu tendo que resolver o primeiro problema “mecânico”. Na verdade foi num dos alforges. Um daqueles elásticos usados pra prender coisas no bagageiros agarrou na roda e, ao empurrar a bike, dentro do posto forçou a presilha de fixação do alforge no bagageiro, quebrando-a.
Levantando “acampamento”
Pra consertar, tinha a abraçadeira de nailon que quebrou um galho servindo pra fixar o alforge no bagageiro. O único inconveniente era que a cada vez que eu quisesse retirar o alforge teria que cortar a abraçadeira e colocar outra pra fixar de novo. E não tinha
Toquei em frente. E logo depois cheguei em Lima Duarte. Terminava ali o asfalto “duro” e começavam as estradas secundarias junto à Natureza, de terra, buracos e paralelepípedo. As subidas de Lima Duarte à Ibitipoca são fortes. Na verdade são mais de 20 km alternando subidas suaves e mais fortes. Os piores trechos estão logo depois de Lima Duarte e antes de chegar à Ibitipoca onde são vários quilômetros de subida realmente muito forte. Com o peso que eu estava empurrei quase todo este ultimo trecho. E mesmo assim foi difícil.
Cheguei no final da tarde em Ibitipoca. E como soube que o camping dentro do Parque (que fica a 3 km depois da cidade) estava cheio, resolvi ficar num perto da cidade mesmo. Logo depois do pequeno centro, seguindo pela Estrada do Parque Ibitipoca, tem vários. Comi um pouco e rumei pra lá com a perna bamba.
Lojinha da estrada de barro
Estava tão cansado que entrei logo no primeiro que encontrei: “Tô em Casa” (da Letícia e da Vanessa). Depois conheci outro muito bom, já mais perto da entrada do Parque, que é o do Mariano onde tem um amplo gramado com mais natureza e um bar que vende os pães, café e rosquinhas deliciosas da D. Carmem.
Percebi que o pneu estava furado, mas ia deixei o conserto pro dia seguinte. Ainda tive tempo de visitar o milharal perto do camping do Mariano onde aprendi com Sr. Antonio alguns segredos:
Sr. Antonio trabalhando na roça de milho
os nutrientes do solo das partes mais altas escoam pras partes mais baixas onde os pés são bem maiores e produtivos;
é preciso capinar em volta dos pés porque senão o a espiga não sai (competição entre as plantas)
eles plantam o milho pra alimentar os animais (porcos e galinhas). Uma parte é pra fazer silagem: todo o pé do milho moído é coberto, guardado e fermentado até o período em que o pasto fica mais escasso (inverno), servindo de alimentação para o rebanho bovino;
disseram que o milho é hibrido e que não compram as sementes (guardam de um ano pro outro); Mas ate onde eu sei semente de milho hibrido não rebrota. Não seria milho crioulo ?
Agora que tinha me recuperado um pouco de toda aquela subida do dia anterior estava muito contente de ter chegado até ali de bike. Mesmo empurrando, aqueles vários quilômetros de subida eram insanos e foi o primeiro grande desafio da viagem, dentre os muitos que, com certeza, viriam.
Neblina
O pneu tinha furado apesar da fita anti-furo e, ao desmontar, a roda achei a causa: aquelas malhas finas de metal dos pneus dos carros que estouram que ficam pelo acostamento. Maldito asfalto !! Mas tive sorte que apesar do asfalto ter ficado mais de 20 km pra trás o pneu só veio a furar mesmo quando já estava em Ibitipoca evitando assim, que tivesse que conserta-lo durante a subida.
Construção do interior de Minas
Era dia de explorar o Parque Estadual de Ibitipoca. Todos falam em três dias mas chegando cedo é possível conhecer tudo em um ou dois dias. E eu estava entrando em forma depois de dias pedalando sem parar.
Ponte de Pedra – Parque Estadual de Ibitipoca
Varias grutas, picos, vegetação e fauna de altitude únicas, cachoeiras de água ferruginosa cor de vinho rosé com destaque para a Ponte de Pedra, Janela do Céu, Cachoeira dos Macacos, Ducha e Pico do Pião.
Paisagem
A altitude acima dos 1200 m gera um clima agradável. As rochas são quartzitos esbranquiçados, antigas areias (fundo de oceanos, desertos?) que se transformaram em rochas quando foram prensadas em direção profundidades da crosta terrestre. Depois de milhões de anos viraram rochas (arenitos).
Parque Estadual de Ibitipoca
E depois de outros milhões de anos foram submetidas a mais um fenômeno geológico: o metamorfismo, que é o aumento da pressão e temperatura em profundidade. Foram então metamorfizadas, isto é transformadas em quartzitos além de serem falhadas e dobradas. Pode-se perceber nas camadas de rochas inclinadas no parque. Nos primórdios quando elas eram sedimentares, estavam na horizontal.
Água ferruginosa
Um aspecto interessante é que as diversas cavernas e grutas, foram esculpidas pelas águas nos quartzitos. Normalmente isto acontece com rocha calcária que se dissolve mais facilmente com água.
Aproveitando na Ducha
Mesmo sendo muito antigas (mais de 2 bilhões de anos) esta cadeia de montanhas ainda tem altitudes de mais de 1500 m !! Pode-se concluir que ela foi bem mais alta devendo ter atingido vários milhares de metros de altitude. Como hoje é o Himalaia ou os Andes, já que, depois do soerguimento atingir o seu ápice, durante todo este enorme tempo geológico posterior, só tem sofrido continuamente o desgaste do vento e das águas (erosão). O resultado é este belíssimo entalhe que forma o conjunto de rochas natural único e harmonioso do parque.
Rochas esculpidas pelas forças da Natureza
Me apressei em voltar da Janela do Céu o ponto alto da subida já que tinham me avisado que portão do parque fechava as 18 h (o que não é verdade, é possível sair ate bem mais tarde).
De volta à cidade, ainda deu tempo de voltar pro camping, tomar uma ducha e ir explorar a mais animada noite até agora. O centrinho de Ibitipoca alguns dias antes do reveillon com feirinha hippie, música ao vivo na rua, pão de queijo canastra e uma deliciosa pizza me fizeram relaxar e esquecer completamente as “dificuldades” até então. E recuperar forças pra continuar no outro dia bem cedo.
Me despedindo de Ibitipoca passei pela Igrejinha mais antiga (e que leva o nome) da cidade no alto do morro e segui pela estrada que me levaria à Santa do Garambéu. Neste trecho comecei a enfrentar o que seria o cotidiano da viagem a partir dali: estradas de barro e lama em péssimas condições devido às fortes chuvas que caíam varias vezes ao dia durante as ultimas semanas.
Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca
Este foi um trecho especialmente difícil. E com a corrente, e rodas cobertas com uma crosta de lama a quilometragem caiu bastante: se estava em 50-60 km por dia , passou a ser 20-30 km/dia. Sem problemas. Já que estava claro que, pra mim, o mais importante dessa viagem e de qualquer outra no cicloturismo era aproveitar e curtir o percurso, cada momento, e não a velocidade, a distancia percorrida ou a performance.
Por isso também, sem me preocupar com a distancia ou o tempo, fazia questão de parar a cada vez que avistava uma flora endêmica, uma cena original ou um personagem local que me chamava atenção e que se mostrasse aberto em trocar algumas palavras.
Foi num desses momentos que cruzei com um carro de boi com quatro animais que parecia ter vindo diretamente do seculo passado. Ele carregava vários latões de leite e era tocado por um vaqueiro que ia a pé emitindo sons que pareciam controlar os bois naquela estrada difícil. Peguei indicação com o vaqueiro qual era a melhor rota até Santana do Garambéu e continuei.
Carro de Boi
Nessa altura tendo atravessado tantos quilômetros de barro e poças de lama, não conseguia enxergar nem mesmo através da garrafa transparente de água. Interessante é que mesmo fechada o barro conseguia entrar e ao beber a água sentia alguns grãos de areia nos dentes. Deixei aquela garrafa que ficava na caramanhola de lado e comecei a usar a que ficava (protegida) dentro do alforge.
muita lama
Mais à frente cruzei com um grupo de cavaleiros que estava fazendo uma espécie de cavalgada tropeira que acontecia entre amigos todos anos. Durante 3 ou quatro dias eles andavam de cavalo de dia passando por fazendas onde se alimentavam e dormiam. Alguns, que não tinham cavalo, iam de carro ou moto. Estavam com dificuldade de avançar num ponto porque os carros atolavam na estrada. Num ponto de subida de lama forte tive que parar ate que conseguissem tirar um carro atolado e eu pudesse passar empurrando a bicicleta morro acima. Impossível pedalar ali.
Cavalgada Tropeira finalizando em Santana do Garambéu
No final do dia cheguei à Santana do Garambéu. estava tão esgotado que resolvi ficar, pela primeira vez, numa pousada. A unica mais acessível é a que fica em cima do bar do Zé Manoel. Aliás que personagem!! Vale a pena conhecê-lo. Você pode encontrá-lo ao lado da mesa de sinuca fica na parte de trás do bar onde ele vai vencendo um a um os adversários, que parecem não acreditar nos lances que assistem. Quando passar por lá, tente ganhar uma partida de sinuca dele pelo menos.
Foi em Santana do Garambéu também que tive a exata noção de como vivo numa cidade cara. Sai à noite pra comer um sanduíche num daqueles trailers de lanches. O cara vendia hambúrgueres variados a R$ 6,00. O pão de hambúrguer era do grande. Pedi um mas ao invés da carne pedi com queijo, ovo, tomate e alface. Ele ainda sugeriu, batata palha. ervilha e milho. Custou inacreditáveis R$ 3,00 !!
Na saída de Santana do Garambéu, fiz a primeira modificação no roteiro. E foi absolutamente por acaso. Meu destino seria Madre Deus de Minas mas quando estava saindo da cidade vi a placa : Andrelândia, que seria um dos próximos destinos. Parei pra perguntar e um grupo de moradores foi categórico: “Vá pra Andrelândia direto. O caminho é mas plano e bonito, e a estrada pra Madre Deus está muito ruim depois das chuvas”.
O trajeto: http://bit.ly/2Fes1R6
Longas retas, subidas e descidas na estrada até Andrelândia
Como estava atrasado na programação da viagem, decidi seguir os conselhos e ir direto pra Andrelândia. Realmente a estrada era bem mais plana, principalmente se comparada ao trecho anterior. E estava em boas condições, com a terra batida. Parecia ser mais arenosa também e, por isso, a água infiltrava melhor e não havia acumulação de lama.
Paisagem do Sul de Minas: “Mar de Morros”
Apesar disso as tempestades de chuva e vento continuavam. Várias vezes ao dia caíam impiedosamente. Nestes momentos colocava uma capa impermeável. Quando a chuva parava tirava a capa e guardava já que começava a fazer calor e eu suava muito à medida que pedalava. Este tira e põe acontecida varias vezes ao dia. As vezes com intervalos de poucos minutos.
Minas e sua fé e religiosidade
Naquele momento estava ficando sem freios. Quando me aproximei de Andrelândia tive que descer e ir andando segurando a bike ladeira à baixo porque ela já não parava. Mais um desafio mecânico por dia seguinte: conseguir regular os freios e fazer com que eles voltassem a funcionar. Mas isso era importante por que nas áreas planas e descidas a pedalada rendia mais do que nas subidas, onde muitas vezes tinha até que empurrar.
Tempo fechado
Andrelândia, cidadezinha histórica em plena Estrada Real, cheia de casas, que pareciam desenhadas, do período colonial quando servia de rota pros viajantes do ciclo do ouro.
Era dia 31/12. A cidade lotada pra missa e pra festa de revéillon que é famosa na região e até em outros estados (encontrei uma garotada do Rio de Janeiro).
Uma das muitas construções históricas de Andrelândia, MG
Os funcionários da recepção de um dos únicos hotéis da cidade, talvez percebendo minha vulnerabilidade de viajante de bicicleta, foram muito atenciosos comigo e me deram a ultima vaga disponível. O supermercado ainda estava aberto me reabasteci de água que ali custava R$ 2,15, bem diferentes dos R$ 5,00/litro que já havia pago em alguns trechos.
Andrelândia, MG
Lavei e coloquei toda roupa pra secar, já que estava encharcada e enlameada. Depois fui pra praça principal aproveitar um pouco da festa de revéillon lotada. Depois de pouco tempo lá percebi o que interessava de verdade era dormir cedo e poder descansar já que no outro dia tinha mais estrada pela frente.
Depois de regular o freio na pracinha central de Andrelândia, parti por volta de 11 h da manhã. Como já era tarde optei em pegar o asfalto da BR-494 em direção a São Vicente de Minas, que ficava a pouco mais de 30 km, ao invés de seguir o que estava programado: ir pra Serranos, o que seria três vezes mais distante, e pela terra.
Deixando Andrelândia (ao fundo)
Apesar de ser estrada de asfalto em mão dupla, o trafego esteve muito tranquilo durante todo o trajeto já que era feriado, dia 1º de janeiro de 2018. Foram poucas subidas também. O único imprevisto foi uma arvore caída na estrada, que de longe pensei que fosse um acidente envolvendo os dois carros da policia que estavam parados para removê-la.
O dia de sol fez a paisagem verde ficar incrivelmente linda. Era somente o segundo dia (o primeiro junto à Natureza) que fazia sol.
Com um trajeto tão tranquilo (asfalto e sem chuva) Cheguei bem cedo à São Vicente de Minas. Parei logo num bar na entrada da cidade que achei bem antigo e acolhedor. Era o bar do Sr. Chico, um senhor de mais de 80 anos que, apesar de traços asiáticos, acho que foi imigrante português da Ilha de Faial, nos Açores já que, pregado na parede do seu bar tinha uma arvores genealógica desde os primeiros imigrantes desta Ilha pro Sul de Minas.
Ali conheci alguns moradores locais que ficaram espantados ao saber que estava vindo de tão longe de bicicleta. Assim como a Vanessa, uma gaucha que mora em São Paulo e que estava de passagem. Ela dizia que acha interessante conhecer pessoas que tem esse tipo de projeto na cabeça.
Parou também o Sr. José. ciclista (de capacete e tudo) com uma mountain bike com motor adaptado 🙂
Construções históricas presentes em toda Estrada Real
Provei um Guaraná Mantiqueira, marca pequena do interior de MG segue no mercado resistindo e que me acompanhou pelo resto da viagem no Estado. Em Santana do Garambéu tinha provado outra marca de guaraná, ainda menor e que nunca tinha visto: o Príncipe Negro.
Chegando ao centro, pude aproveitar e curtir os moradores locais passeando pela pracinha principal no fim de tarde preguiçoso do feriado. Fiquei aproveitando um dos raros momentos de wi-fi sentado num dos animados bares da praça.
Trailer de lanches em São Vicente de Minas
Duas crianças me chamaram atenção. O Rafael, um garoto ciclista que adaptou um copo de plastico da roda de trás e conforme pedalava o copo gerava um som motorizado na bicicleta.
A outra foi a menina Sofia que com seus 10-12 anos estava sentada num banco da praça com uma mesinha vendendo “perfumes” que ela mesma fazia. Em copos de plastico cheios de água ela jogava pétalas de uma determinada flor e e elas perfumavam incrivelmente a água do copo.
Com estas inspirações terminava meu sétimo dia de viagem no calmo e ensolarado fim de tarde de São Vicente de Minas.
Como havia pedalado só 30 km no dia anterior, decidi ir um pouco mais alem. Fiz em torno de 50 km, passando por Seritinga e Serranos, antes de finalmente chegar em Carvalhos. Até porque no final do dia tive que sair novamente da estrada principal. A cidade de Carvalhos fica há alguns quilômetros do trevo rodoviário principal. Mas vale à pena conhecer. Um dos trechos mais bonitos até agora.
Paisagem peculiar
Choveu pouco. Alás, se por um lado estava tendo que desbravar estradas completamente enlameadas com pedras, buracos e com muita chuva por outro lado, isso foi bom porque a temperatura estava muito agradável, sem o forte calor habitual no verão. Imagino o que seria pedalar o dia todo com sol escaldante.
Estrada que leva à Carvalhos
Desde que entrei em Minas a paisagem verde era quase sempre de pasto. Alás tudo no Sul de Minas gira em torno da vaca e de outros animais, como o porco. A vaca exige muito espaço e pasto. Um criador que conheci na viagem, e que tem 250 cabeças de gado, me disseque precisava ter 400 hectares pra ter pasto suficiente no inverno quando chove pouco. Talvez seja uma das razões porque no Sul de Minas não se encontre verduras, legumes e frutas disponíveis nas refeições e lanches.
Tudo é pra o animal, criações e rebanhos : o milho, por exemplo, é exclusivamente plantando pra alimentar os animais. Os rebanhos são pra carne e também grande parte pra produzir leite pra fabricação de laticínios.
Encontrei alguns ciclistas locais voltando do trabalho em suas barra-fortes e me chamou a atenção que assim que a subida começa eles descem e imediatamente começam a empurrar as magrelas.
Descansando e fazendo selfie
Chegando na cidade me esbaldei na padaria. É incrivel mas todas as cidades de Minas que passei, em qualquer boteco ou padaria, o pão de queijo é muito bom. Muito melhor do que comemos no Rio de Janeiro. E grande. Nesta padaria haviam variações dele, e ainda biscoitos, bolos, rosquinhas, etc. Tudo acompanhado com um café com leite com direito à nata. Há tempos que não tomava um assim.
Me abasteci também de água mineral para o dia seguinte, já que o supermercado ainda estava aberto e pude encontrar a R$ 2,30/litro. Água mineral pro cicloturista é um dos itens mais importantes que nunca pode faltar.
Antiga estação de trem de Carvalhos
No restinho de tarde aproveitei também pra localizar no GPS aonde era a saída da cidade, em direção à Liberdade, meu próximo destino do dia seguinte. E conversando com uns senhores na pracinha me aconselharam a, ao invés de ir pela estrada de terra normal, pegar a via alternativa que era a antiga linha do trem. Me indicaram por onde deveria ir pra encontrá-la-la à uns 3 km da cidade.
Fiquei muito satisfeito porque há algumas semanas tinha acompanhado um debate num grupo de cicloturismo sobre o aproveitamento das antigas estradas de ferro pra trilhas de cicloviagem. No dia seguinte ia ter a oportunidade de experimentar como seria viajar numa dessas. E ainda, admirando a bela paisagem de Minas.
Indo pra Liberdade, peguei a direção que tinham me indicado pra sair da cidade de Carvalhos, e que confirmei pelo GPS.
Pedalei alguns poucos quilômetros e encontrei com Sr. Hermes, criador de vaca leiteira. Ele estava descarregando dois tonéis de leite que eram levados por seu cavalo como se fossem os dois alforges na bicicleta.
Fazenda antiga, provavelmente anos 70
Deixava na beira da estrada pro caminhão da industria de laticínios pegar. Disse que, acordava cedo e fazia isso todos os dias. O laticínios pagava R$ 0,90/litro de leite (janeiro 2018) e ali estava com 60 litros, a produção diária das seis vacas que tinha. Quando é inverno e a oferta de leite cai, o preço sobe mas não muito. No máximo, pra R$1,20/litro.
Nos últimos anos tem se desenvolvido nesta região a fabricação de queijos artesanais de qualidade. Como já disse, quase toda cidade tem pequenas indústria de laticínios que estão produzindo não só o queijo Minas Padrão e manteiga mas também queijos curados como o Canastra e muitos outros inclusive de inspiração européia como o Gorgonzola, Gouda, etc.
É difícil pro cicloviajante poder comprar já que em geral só vendem inteiros ou metades. O que é muito pra quem tá sozinho e de bike e acampando, portanto sem refrigeração.
O que ele ganha com o leite não é muito depois me falaram que famílias como a dele moravam no sítio e produziam praticamente tudo que precisavam. Então, apesar do pouco faturamento eles não gastavam com nada!! E vão guardando o dinheiro…
Perguntei à Sr. Hermes se ia chover. Ele olhou pro céu negro carregado e disse que achava que não porque estava frio e as nuvens pareciam estar “esparramando”.
Estrada da linha do trem
Confirmei o caminho da “linha” com ele e parti. A antiga estrada de ferro que hoje aterrada virou uma estradinha local é ótima pra cicloturismo na natureza apesar das pedras e buracos. É muito tranquila e praticamente não tem trafego, Além disso as subidas são suaves. Fiquei pensando que isto talvez seja pelo fato dos trens que passavam na época por ali não tinham muita potencia então não poderiam enfrentar subidas ingrimes como são as rodovias atuais, feitas pros carros e caminhões modernos e potentes. Estas antigas linhas de trem praticamente seguem as curvas de nível, vão pelas beiras dos rios e fundos dos vales na maior parte do trajeto.
Antiga estação de Silviano Brandão
Os trilhos estão completamente encobertos. Os únicos vestígios que vemos das antigas estradas de ferros, são as antigas estações quase abandonadas, como a de Silviano Brandão que passei, algumas poucas casas em vilas que deviam servir de moradia para os antigos funcionários. Além dos cortes estreitos nos morros e pedras por onde as estradas passam.
Carvalhos – Liberdade
Como em geral estas estradinhas não são indicadas o único meio de acessá-las é conversando com os moradores e procurando saber onde estão exatamente.
Depois muitos quilômetros de subidas e descidas suaves, uma viagem tranquila sem trafego algum e com lindas paisagens cheguei no asfalto, na MG-814, onde pega-se à direita, subindo pra mais 1 km até chegar em Liberdade.
Cheguei por volta de 13 h e tomei logo um caldo de cana de um senhor com o carrinho parado na rua.
Foi lá também que visitei uma queijaria no centro com todos os queijos artesanais da região, mas como disse a maioria dos queijos são vendidos inteiros então é difícil pra um cicloviajante levar. Mas fui num supermercado e o mesmo queijo parmesão poderia ser vendido em pedaços menores. Comprei umas 150 g, fiz um sanduíche e embrulhei o pouco que sobrou pra levar.
Como ainda era cedo, parti em direção à Taboão.